Nos últimos meses, quem acompanha informações sobre o mercado financeiro brasileiro já observou uma movimentação por parte dos bancos na definição de um novo modelo de negócio. A Accenture divulgou uma pesquisa, intitulada “Estratégia digital: uma nova era para os serviços bancários”, em que aponta o seguinte: 32% da receita dos bancos tradicionais está em risco, por conta de uma nova concorrência gerada pelos empreendimentos que nascem em ambiente digital.
Esse cenário ocorre impulsionado pela revolução provocada pelas fintechs e por inovações, como o Open Banking, sistema de arquitetura aberta que dá oportunidade para que empresas e pessoas tenham maior autonomia quanto aos dados e a escolha dos produtos e serviços financeiros que pretendem usar. Mas essa transformação não tem atingido apenas o negócio em si, como quem dele faz parte. Em especial os profissionais bancários.
Com muitos bancos tradicionais fechando agências – estima-se que mais de 1.200 serão fechadas até o final de 2020 – e enxugando a massa de trabalhadores, uma parcela de bancários se vê sem saber para onde ir. Esse movimento é sem precedentes! Além dos que estão perdendo os empregos, também há aqueles que não se adaptam mais a uma rotina profissional com baixa flexibilidade de horário. Por exemplo, quantas mães e pais bancários gostariam de ter mais liberdade para passar mais tempo com os filhos e, paralelamente, trabalhar?
Atuo no setor financeiro há mais de 30 anos. No momento, fundei e estou liderando uma fintech, mas também já ocupei a posição de bancário. E o que percebi ao longo desses anos, seja trabalhando ou dando palestras sobre o tema, é que esse profissional só se vê dessa forma quando está ligado a uma instituição financeira. Independentemente da existência ou não de um curso superior dedicado ao cargo, faço aqui uma provocação: não existe ex-bancário; existe ex-funcionário de banco.
O que a gente aprende na rotina diária dentro dos bancos é algo valioso. Ainda que muitos bancários tenham uma formação em administração, economia e contabilidade, cursos onde aprendem teorias valiosas, a prática do “fazer banco” é diferente. Análise de fluxo de caixa, balanço, faturamento, avaliação sobre o perfil do consumidor e de empresas, análise preditiva, ciclo de vida das empresas – no caso de Pessoa Jurídica -, além de avaliações críticas sobre números, gráficos, o que gera mais receita, score e sua importância para criar oferta de crédito, e por aí vai. Sem contar estudos sobre o papel do Banco Central, fundo garantidor, entre outras questões necessárias para se obter certificações obrigatórias, exigidas para quem vai ocupar cargo de gerente. Todo esse conhecimento pode ser aplicado de outra forma, inclusive se o bancário em questão deseja empreender, de forma independente.
Várias fintechs possibilitam que bancários atuem como analistas financeiros, levando informação para pessoas que estão cansadas de se verem presas aos bancos tradicionais. O comportamento do consumidor na atualidade já deixou claro que as pessoas sabem que têm mais direitos, e começam a exigir isso. O próprio Governo Federal dá alguns passos nesse caminho, ao exigir que as escolas ofertem disciplinas sobre educação financeira a partir de 2020, seguindo diretrizes do Ministério da Educação e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas isso não será suficiente para quem está de fora da escola entender sua vida financeira. E é aí que se abre uma grande oportunidade de carreira para quem é bancário e não quer ou não pode estar ligado a um banco.
Os bancários precisam se empoderar mais, entender seu valor, e que ele existe para além de um vínculo empregatício com uma instituição financeira. É possível empreender, agir com autonomia, sobretudo em um mercado onde o sistema de Open Banking começa a operar e o Banco Central inicia o processo de sua regulamentação. Além de impulsionar a criação de negócios digitais, esse movimento permite que haja uma dose de olho no olho, tão necessária quando falamos de dinheiro. Sejamos francos: sempre é bom ter uma conversa cara a cara com alguém sobre o assunto. A máquina não vai substituir isso.
*Artigo publicado originalmente no Estadão, em 05/12/2019.
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